Noroeste_ Sudoeste

Square

Noroeste–Sudeste é uma exposição em duas partes.

A primeira, que se mostra no Lugar do Desenho — Fundação Júlio Resende, em parceria com a FBAUP, apresenta um conjunto de projetos artísticos e investigativos que recorrem ao desenho como prática, pensamento e acção. Estes projectos começaram por ser desenvolvidos no âmbito do Mestrado em Artes Plásticas da FBAUP.
São, agora, discursos singulares que se cruzam num espaço comum, concebido para pensar o fazer do desenho. Como qualquer exposição de desenho, também esta nos confronta com uma prática material
impura e indefinida. A diversidade de ideias e processos que compõem a exposição é o espelho da multiplicidade e da imprecisão com que o desenho sempre se apresentou no campo das artes. Esta imprecisão é o que o caracteriza. A dificuldade em definir o desenho é um efeito da sua diversidade e da sua resistência em conformar-se a uma única definição. De facto, definir passa por estabelecer diferenças, espaços de autonomia e consensos. E raramente o desenho atrai uma visão consensual sobre o que é. Raramente se restringe ao rectângulo branco e neutro da folha de papel.

Prolonga-se do papel à mão, da mão ao corpo, e do corpo ao espaço que o envolve. Confunde-se com a ideia, mas reconhece ao mesmo tempo que a tactilidade das imagens continua a ser uma forte tentação da mente. A sua prática é feita de múltiplos pontos de contacto com outros campos, a ponto de se confundir com eles. Ao não se definir — ao assumir a sua historicidade — o desenho está aberto às suas próprias metamorfoses, ao mesmo tempo que mantém os vestígios da sua origem. É uma noção que muda de cada vez que é usada, uma mudança que é construída sobre os seus usos prévios. Este efeito, como reconhece o historiador Michael Newman, é em si próprio uma construção histórica, determinada pelas outras tecnologias de representação com as quais o desenho partilha um tempo e um espaço. 

Um desenho considerado em relação à fotografia diverge de um desenho pensado na relação com a escrita, a arquitectura ou a performance teatral. E não apenas porque o seu objecto é diferente. Diverge nas suas intenções, métodos e efeitos. É por isso que, ao contrário de outras práticas artísticas — cuja natureza é determinada por meios, suportes e modelos de actuação particulares — não há desenhos anacrónicos ou historicamente determinados. Em parte, é esta indefinição que está na origem do contínuo ressurgimento e interesse do desenho entre os artistas.

Para uma nova geração, o desenho foi-se tornando um conceito essencialmente contestado, cujo uso implica, inevitavelmente, contradições intermináveis por parte dos artistas e designers que o usam. Esta expressão foi popularizada por W. B. Gallie num artigo de 1956 intitulado Essentially Contested Concepts, para explicar que
certos conceitos não podem ser resolvidos com um único argumento e são inconciliáveis com atitudes dogmáticas (esta definição é correcta), cépticas (qualquer definição é igualmente verdadeira ou falsa) ou ecléticas (cada definição é uma visão parcelar que nos permite aproximar de uma visão global). A contestação e a contradição são inerentes à própria tentativa de definir o desenho.

Ao designarmos a exposição com dois pontos colaterais — Noroeste e Sudeste — quisemos dar conta da relação geográfica que existe entre a FBAUP e o Lugar do Desenho — Fundação Júlio Resende, como uma linha imaginária. Mas Noroeste e Sudeste reflectem também a relação indecisa que estes pontos colaterais têm quanto às orientações cardeais, e às metáforas que elas comportam. É nos intervalos das direcções conhecidas e das ideias claramente definidas que o desenho se faz. 

Paulo Luís Almeida